sábado, 15 de março de 2014

Voo de Dalí

           Flutuar. Verbo intransitivo. Em outras palavras, vociferar independência sujeitado às amarras de um sujeito indeterminado. Um sinônimo: voar.
Em meu voo, flutuo. Acorrentado. A quem?
Meus olhos se movem sobre os grilhões, como que tentando localizar a vida a eles atribuída de tempos em tempos. Meu mestre (no presente). Minha verdade (no agora).
O ovo quebra. O sol nasce. Dalí, pássaro se espanta.
Sobrevoo-o sendo auxiliado pelos traços de um balão algodoado. Céu cheio. Céu nublado.
            Subitamente, as amarras ferem-me o flutuar. Caio no descaso em meio ao acaso. Caio no mar.
          Torno-me homem e nau. Marionete de artistas de outra era. Ergo-me em busca do ar. Acabo por encontrar cordas e velas que impõem velocidade ao meu corpo. A metamorfose do tempo presente corrobora a transmutação do morto em matéria viva. E somente quando as velas atreladas ao mastro, que de minhas costas nasce, tornam-se borboletas prontas para alçar voo, transformo-me em caravela. Óleo sobre tela.
            TERRA À VISTA!, bradam as borboletas com o farfalhar de suas asas.
            Nas Dunas.
Encalhei.
            Sozinho.
O pano se levanta. A maré abaixa. O deserto se alimenta. Não resta nada.
O anacronismo do nada edifica a história do infinito. Aloca-se o efêmero indivisível em forma de massa de modelar. Violinos, canhões, cavalos e sensações. Relógios da ausência do tempo derretendo. Alterando seus ponteiros em forma e tamanho. A alomorfia do objeto passa a ser a eterna certeza de indivisão.
Deformar toma forma em um rosto vazado. Dos orifícios, o repetir de imagens grita sensibilidade. Sentir o medo do constante. A visão de rostos carregados de um olhar inexpressivamente expressivo. De novo. E de novo. E de novo. Amedrontado, dou alguns passos para trás. Percebo o derreter de minhas pernas. Tropeço. Levanto. Derreto. Desmaio.
Inconsciente do mundo concreto, desperto.  
TVUUU! TVUUUUUU!! TVUUUUUUUUU!!!
Tubas. Tumbas. Tumbas. Tubas.
Olho o corte. O corte no olho. A cisão completa.
Agora posso ver.
O andar dos gigantes sobre a terra. Sonoro titubear de tubas. Particular heterogeneidade de cores animais. O cinza selvagem e o dourado civil. O paradoxo de um dissidente.  
A sobreposição de imagens ao meu redor configura uma realidade abstrata. A miragem sensorial. A cena que exala o odor do real.
Atravessadas as tumbas, deixo pra trás minhas prévias verdades. A quietude do verde pasto adiante me comove. Altas e firmes, pregadas em grandes estruturas cônicas encontro minhas borboletas. Perdera-as no mar, mas elas encontraram seu caminho para a terra. Ah, estão em moinhos afinal! Moinhos nesta campina, que dependem apenas delas para funcionar. Afinal, presas ao chão minhas asas estão a voar.
Porém há uma longe. Ao longe de tudo.
A borboleta solitária. Díspar. Sem amor. Sem carinho. Sem corpo.
Salvador. Encorpado. Caminho até a solidão. Sem uma palavra, enlaço-me a ela e perpetuo-me no casulo da nova era. Páginas correspondem à cama de que um dia me utilizei. Durmo em livros que um dia salvarei.   

            

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